sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Concrecoisa Concêntrico

Rengawaldo acordou irado.

Estava uma arara e bufava pelos cantos da boca.

O porteiro do prédio de Rengawaldo, ao vê-lo azedo do azedo do azedo, disse que, possivelmente, “a amada tinha dormido de calça jeans e o chefão puxado as suas orelhas”.

Para atenuar a amargura que sentia, antes de papear com a imprensa, Rengawaldo tomou um goró.

Pluft, plaft, boom: o astral mudou rapidamente.

Com a persona renovada, foi para o centro do poder, depois de driblar verborragicamente alguns focas da imprensa local.

O dia era de decisão, sem os outros saberem.

Tinha que escolher quem seria o cara ideal para ficar em seu lugar, no círculo das decisões futuras.

Já estava de saco cheio com tudo ligado ao poder e queria sombra e água fresca, nada mais.

A vida tinha que ser vivida!

O dileto Yuratsok, ao sacar que o chefe tinha tomado um goró para mudar o astral, ficou na moita, calado e sorrindo dissimuladamente.

Algo de bom estava para acontecer.

Era sempre assim!

Então Rengawaldo, na reunião com decisão inesperada, afirmou que o escolhido era Yuratsok.

Este, aliviado, gargalhou sem medo de repressão dos pares.

Assim, com a escolha antecipada e imperiosa, o centro do poder estava, teoricamente, concentricamente assegurado.

Rapidamente a reunião terminou.

Os pares que não gostaram da decisão de Rengawaldo foram chorar no pé do caboclo, no Campo Grande.

Os pombos daquela praça gostaram da piscina que se formara por conta do chororô dos preteridos.

À noite, o porteiro que dissera que “a amada tinha dormido de calça jeans e o chefão puxado as suas orelhas”, ao saber do ocorrido, ao saber da decisão de Rengawaldo, foi sábio, claro e direto: “Manda quem pode e toma goró quem tem prejuízo”.

E o centro concêntrico do poder circula no círculo agora fechadíssimo.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Concrecoisa Antropofagia

Fome, fome, fome... muita fome.

Fome de tudo.

Uma fome que deteriora o país.

Fome de poder.

Fome de vingança.

Fome de dinheiro.

Fome antropofágica.

Mas o tempo passa e a fome hiberna.

É a hora de cuspir.

E chove cuspe das bocas gulosas.

Bocas da corrupção.

Bocas que defendem a impunidade.

Bocas que cospem com vontade, depois de matar a fome nas tetas do Brasil.

Cuspe, cuspe, cuspe... muito cuspe.

Eles cospem para ter fome e para depois da hibernação comer mais e mais.

De quatro em quatro anos a fome indomada volta mais forte.

E os que não comem esperam um dia entrar na comilança.

E assim caminha o Brasil.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Concrecoisa Ou


A Concrecoisa Ou é uma singela homenagem a Walter Franco.

Ele (Walter) saiu com o “ou não” de forma musical, em 1973, num disco branco com a foto de uma mosca.

Walter Franco entrou para a história da música brasileira por causa deste e de outros trabalhos, sobretudo por causa de sua irreverência e inventividade.

Com o tempo, o “ou não” foi fisgado sabiamente por Caetano Veloso, que de tanto falar o “ou não” acabou apadrinhando a expressão walteriana.

Certa feita, num papo por telefone com Walter, ele me disse contente que Caetano tinha falado que o "ou não" era de Walter Franco.

Ao dar o crédito, Caetano Veloso ficou com crédito.

Acho que este crédito deveria ser mais e mais reverberado.

Todos ganham com a inventividade do outro e a história fica em sintonia com a verdade.

Aqui na Concrecoisa, o “ou” transita numa escada de “não” e de “sim”. São degraus onde a dúvida (o ou) pode subir ou descer.

Sim, ou não!

Não, ou sim!

Viva Walter Franco!


Ou não?!

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Concrecoisa Lugares

Estava no buzu.

Lá fora, o sol de lascar o couro de qualquer calango derretia o asfalto.

O suor escorria pelo cangote de todos.

Além do calor, a barulheira infernal convidava para descer no primeiro ponto.

Resisti.

A passagem estava cara demais para subir num ponto e descer no outro.

O salário mínimo não permite tal luxo!

Suportei em meditação.

Esqueci a situação quando me liguei num papo entre duas senhoras.

Uma contou para a outra que sonhou que estava passeando pela lua e era a primeira vez que ocorria algo desta natureza em sua vida já bem vivida.

A outra entendeu que ela estava passeando pela rua, dando vazão ao papo.

Depois de uns cinco pontos, a senhora que trocou lua por rua perguntou o nome da rua daquele sonho.

A sonhadora disse que conhecia apenas por lua, nada mais.

A ouvinte quase surda e agoniada e sem entender mais nada disse que vivera na Rua da Lua e tinha um velho ex-namorado que ainda morava lá.

A sonhadora achou que era gozação demais e partiu para dentro da outra, conhecida ali mesmo e há poucos minutos atrás.

Foi um arerê só e de arrepiar qualquer ser vivente.

O pega pra capar com um separa-separa agitou o buzu-sauna que circulava pelas ruas engarrafadas da velha Cidade da Bahia.

Pena que a confusão aconteceu no instante em que eu ia descer.

Até hoje fico a me perguntar se o problema foi a lua ou a rua.

Levei o assunto para um debate filosófico.

O mais sábio dos sábios assegurou que o problema foi causado pelo sol.


E num eclipse, a polêmica sucumbiu em silêncio e frio intelectual.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Concrecoisa Espalhe

Foram milhares de papeis jogados pelas janelas dos prédios.

Todos comemoraram a vitória!

– Que vitória...

Gritavam os irmanados vencedores.

Ele, o único vencedor. Único vivo de uma luta inventada pela mídia.

Porém, um inimigo não jogou papel picado, mas, sim, pétalas.

Isso causou ódio, um ódio muito estranho no único vencedor.

Diante do espelho, mandou o seu principal agente secreto encontrar este inimigo mortal e jogá-lo numa fogueira.

Ao encontrá-lo, gritou sarcasticamente.

– Não se espante rapaz, você é o nosso inimigo mortal por retirar as pétalas do jardim encantado e jogá-las em nosso líder!

Sabendo que ia morrer, o atirar de pétalas disse sem medo.

– Quem espia no ar as pétalas em meio à chuva de papel picado é um tirano inimaginável. Eu saio de cena para não ser o vilão da história, ou melhor, para não ser aquele que ficou do lado errado, do lado do espinho que restou no jardim da liberdade.

Assustado com a resposta, o agente não suportou a dor de estar do lado errado.

Aquele inimigo nunca fora seu inimigo, pois tudo naquele país não passava de uma mentira.

Em silêncio, o agente foi embora e disse ao tirano que a pétala era uma manipulação do sistema de inteligência e o inimigo não passava de uma ilusão.

O tirano aceitou o argumento.

E o jardineiro libertário, aquele atirador de pétalas, viveu em paz no jardim da liberdade.


E a palavra dita ao agente com coragem ainda ecoa, mesmo sendo uma palavra indesejada.